terça-feira, 1 de maio de 2012

O Porto, 02 de Maio de 2012.

[Elephant man, the wave, once upon a time in America, one flew over the coockoo’s nest.]

Em determinados tempos convém registrar nossas percepções com a finalidade de perceber as mudanças que nos acometeram pela escolha de um ou outro percurso, ou ainda averiguar para onde tal escolha nos encaminha. Não começa tão bem, por acaso deveria trabalhar mais enquanto assistia a estas quatro películas, as últimas que vi. Pensar nisso lembra-me da primeira avaliação da disciplina de projeto IV, em outubro de 2011, quando ironicamente o arquiteto e professor Francisco Vieira de Campos disse que eu pertencia ao grupo dos que tinham ideias demais e “andava a ver muitos filmes”. “Espero que ao menos sejam os bons” respondi, defendendo a metamorfose de contentores (containers) em escola de dança, um conceito que me brotou na moranga por questionar a literalidade ingênua e óbvia de ouvir tanto dizer que a dança é movimento.

Provavelmente é uma necessidade de afirmar algo de positivo a substituir um progresso idealizado, mas gostei muito, por diferentes motivos, de cada um destes filmes, que bem ou muito bem produzidos tem em comum o fato de tratarem suas histórias com os contornos severos e despidos da realidade. Heróis ou vilões, como ninguém além do acaso poderá julgar um chofer de taxi ou a criada de toda uma vila de cães, a vida segue e acordaremos amanhã para continuar ou não fazendo o que é simplesmente nossa obrigação ou por ventura até nos apeteça um bocadinho.

Como não posso deixar de mencionar a arquitetura, um pouco a moldar um pouco em resultado do que eu desenvolvia, encontrei certas ressonâncias entre a concepção de arquitetura do Zumthor e o processo criativo de Kafka descrito por Deleuze e Guattari. Tem a ver com a nudez da realidade e algum bom cinema por passarem todos distantes de se pretenderem épicos e paradigmáticos. Muitíssimo menos que isso, sempre que possível esvaziam-se de todos os efeitos e até de seus significados, lidam apenas de suas próprias ferramentas, pormenores e linguagens, deixando o conteúdo de suas obras sempre maleáveis a lógica e a sorte impossíveis de condensar daquilo que chamamos de vida. Tente criá-la ou a delimitar, e tu serás pai de Frankenstein ou um peixe preso no vento.

sábado, 17 de março de 2012


Era uma vez um pintor que tinha um aquário e, dentro do aquário, um peixe encarnado. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor encarnada, quando a certa altura começou a tornar-se negro a partir – digamos – de dentro. Era um nó negro por detrás da cor vermelha e que, insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando-se e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário, o pintor assistia surpreendido à chegada do novo peixe.

O problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a aparecer o vermelho do seu peixe, não sabia o que fazer agora da cor preta que o peixe lhe ensinava. Assim, os elementos do problema constituíam-se na própria observação dos factos e punham-se por uma ordem, a saber: 1.º – peixe, cor vermelha, pintor, em que a cor vermelha era o nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, através do pintor; - 2º - peixe, cor preta, pintor em que a cor preta formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.

Ao meditar acerca das razões por que o peixe mudara de cor precisamente na hora em que o pintor assentava na sua fidelidade, ele pensou que, lá de dentro do aquário, o peixe, realizando o seu número de prestidigitação, pretendia fazer notar que existia apenas uma lei que abrange tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Essa lei seria a metamorfose. Compreendida a nova espécie de fidelidade, o artista pintou na sua tela um peixe amarelo.

(1963)

HELDER, Herberto, Vocação Animal. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1971, p. 11-12.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Corte, quadro e fluido

Uma narrativa visual no centro histórico do Porto.
 Caminhar pelas estreitas e pitorescas ruas do centro do Porto, olhando para cima, como o faz quem se interessa por sua arquitetura, permite descobrir as estranhas silhuetas resultantes da apreciação deste raro palimpsesto contra o fundo claro e homogêneo do céu.  Tal impressão foi a base para estabelecer o recorte pretendido da complexa trama desta zona da cidade.
Buscando evidenciar a importância das formas estriadas a se confrontar, optou-se por tratar as fotografias de modo a “esvaziá-la” de informações desnecessárias, as cores foram eliminadas, o contraste acentuado e o céu clareado até desaparecer.  
A tomada de vista, organização e edição das imagens intentam registrar e transmitir a experiência de deixar-se perder no interior deste tecido denso, encaracolado e até claustrofóbico, quando as edificações inclinam-se ou se fecham sobre o expectador, mas também não deixa de surpreendê-lo com inusitados enquadramentos de monumentos históricos ou mesmo de singelas cenas cotidianas. 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Devaneio # 37


O porto, 14-12-11 

 [Sem nada a perder.]
Ontem numa conversa declarei que vim para a Europa buscar a guerra...

[O que me motiva a fazer qualquer coisa?]
Percebo minha pulsão por revolucionar vários padrões que me parecem mais estabilizados pela qualidade efêmera do domínio de seus agentes e usuários que consolidados por positividades cultivadas por suas virtudes, entretanto sou ao mesmo tempo vitima de uma sensível impossibilidade em operar progressivamente as possibilidades destes padrões sem obrigar-me, a muito contra gosto, por uma atuação disciplinadora, dicotômica e antitética, mas também ambígua e contraditória.

[Inevitavelmente condenado ao fracasso, o projeto sou eu.]
A vontade de virtude, de solucionar confrontos e emparelhamentos notados e propostos pela percepção e apropriação da paisagem, passa e surge por pontos críticos da própria postura no território. Não se trata de uma moldagem ativa ou passiva à maneira do indivíduo e de outrem, de criar e buscar uma doutrina que reforce ou coíba suas ações. No fim, visto de longe num plano achatado, trata-se de esboçar percursos num espaço entre os extremos de uma espectral e monstruosa dimensão social e seu inverso sublime e perverso,  respectivamente a paixão e o vício como mais radicais formas de transcendência e descontrole emocional.

[Insuportável – Crucial – Crítico]
Posso ver uma massa disforme preenchendo lacunas vazias de forma a transformar a percepção de cada lugar. Por vezes é um esforço um tanto disciplinador, ver zonas cheias e vazias, claras e escuras, permitidas e proibidas... Mas se pretende desde o princípio uma disciplina avessa a imposta pela rotina compartimentada do imperativo consumidor.